E, por fim, meu Imaculado Coração triunfará!

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A primeira etapa da Reforma Litúrgica

Algumas notas sobre o rito de 1965 ou “A primeira etapa da Reforma Litúrgica” - Por Padre S. Dufour


O anúncio feito pelo Cardeal Castrillon Hoyos (por ocasião da audiência concedida à associação Una Voce, na segunda-feira, 4 de setembro de 2000 1, e reiterado em uma entrevista publicada na revista mensal La Nef 2) sobre a possibilidade de um ordenamento do missal de 1962 em direção às rubricas de 1965, relançou o debate a respeito desse rito 3. Debater ou simplesmente se deter sobre o rito de 1965, que não teve mais que uma breve existência (1965-1967: data da passagem a uma liturgia integralmente vernácula), não deve ser algo reservado apenas aos especialistas da história da liturgia. Pelo contrário, esse assunto diz respeito a todo católico preocupado com a integridade de fé, “sem a qual é impossível agradar a Deus” 4, e que se indaga sobre a liturgia, na medida em esta traz conseqüências para aquela, em virtude do princípio da “lex orandi, lex credendi” 5. 

Há já alguns anos que vários padres “Ecclesia Dei” começaram a preparar, por iniciativa própria 6, a “reforma da reforma” e, de fato, anteciparam-se ao utilizar, assim como ao promover, o rito de 1965. Para eles, o rito de Paulo VI e rito Romano Tradicional não podem coexistir eternamente na Igreja Latina e é necessário encontrar uma solução. Pensam que o rito de 1965 é uma boa conciliação entre os dois: a primeira parte da missa é, grosso modo, a do rito de Paulo VI; o Ofertório e o Cânon são os do rito Romano tradicional. Por conseguinte, o essencial parece ficar a salvo. Contudo, veremos que esse rito não pode ser uma solução aceitável porque, pelo espírito que o sustenta, também presente na origem dos gestos litúrgicos que impõe, não pode ser mais que uma etapa, mais ou menos longa, em direção à missa nova.

Ademais, sua utilização habitual corre o risco de criar um terceiro rito, o que não deixará de acentuar as divisões entre os fiéis e entre os padres, e, assim, agravar a situação atual: o remédio aplicado poderia se revelar ainda pior que a própria “doença”. O melhor meio de se lançar um olhar objetivo sobre os fatos é muito simplesmente consultar os livros surgidos em 1965 para apresentar esse novo rito aos padres. O próprio título do nosso artigo, “O rito de 1965 ou: a primeira etapa da reforma litúrgica” 7, pode parecer polêmico, no entanto, ele não é nosso, mas de Pierre Jounel, personalidade bem conhecida do movimento litúrgico 8 e um dos grandes “cabeças” do C.N.P.L. (Centro Nacional de Pastoral Litúrgica). É ele quem o emprega no título de sua obra: Les rites de la messe em 1965 9 , que tem por objetivo justificar a reforma de 1965 e comentar as rubricas deste novo rito (o ritus servandus, o de defectibus e o Ordo Missae). É interessante notar integralmente uma parte de sua introdução, que tem o mérito de resumir a diferença entre rito de 1962 e o de 1965: “Quando, em 1962, a Congregação dos Ritos publicou uma nova edição típica do Missal Romano, a fim de adaptá-lo ao Código de Rubricas de 1960, congratulou-se com as múltiplas correções trazidas aos ritos da missa, mas ninguém teve a impressão de uma novidade. O ritus servandus in celebratione Missae foi atualizado, simplificado em alguns pontos, esclarecido em sua redação aqui ou ali; mas não diferia essencialmente daquele que havia sido promulgado pelo Papa São Pio V em 1570. Quanto ao Ordo Missae, ele não sofreu nenhuma modificação 10.

Pelo contrário, em 7 de março de 1965, padres e fiéis descobriram uma liturgia nova, celebrando pela primeira vez a missa segundo o Ritus servandus e o Ordo Missae promulgados em 27 de Janeiro do mesmo ano, sob a autoridade conjunta do Conselho para a Aplicação da Constituição Litúrgica e da Congregação dos Ritos. Sem dúvida, o novo uso da língua do país era para muitos a descoberta, mas os ritos mesmo se apresentavam sob uma luz desconhecida até então: a celebração da liturgia da Palavra fora do altar, o fato de do celebrante não recitar mais em privado os textos proclamados por um ministro ou cantados pela assembléia, constituíam inovações capitais. Teriam surpreendido tanto um contemporâneo de São Luis como um cristão do século XIX, pois era necessário remontar ao primeiro milênio para encontrar uma visão igualmente nítida das estruturas fundamentais da missa 11.

Porém, desde 7 de março, certos problemas oriundos da reforma da liturgia têm amadurecido espantosamente rápido. Na celebração voltada para o povo, recomendada pela instrução Inter Oecumenici 12, alguns gestos herdados da Idade Média, como os múltiplos beijos no altar, os sinais da cruz sobre as oblatas, as genuflexões repetidas, ou, ainda, a recitação do Cânon em voz submissa, tornaram-se um verdadeiro fardo para os padres (sic!) que, até então, haviam observado as rubricas com toda tranqüilidade. Descobre-se nesta tensão que, se o Ritus servandus de 1965 comporta novidades inegáveis, permanece dependente das rubricas codificadas em 1570, sobretudo no que diz respeito à liturgia eucarística. “Entre a liturgia do Concílio de Trento e a do Concílio do Vaticano II, ele constitui um ritual de transição”13. Pouco mais adiante, o autor desenvolve esta idéia em um parágrafo especial: “O Ritus servandus de 1965 pertence, de certo ponto de vista, à linhagem do Ritus de 1570, conservando a mesma estrutura e reproduzindo freqüentemente os seus termos. No comentário a seguir é possível dar, para o maior número de artigos do novo Ritus, a referência ao artigo correspondente da edição de 1962. Mas, se o Ritus de 1965 reproduz freqüentemente a letra do de São Pio V, ele tem um outro espírito (…)

O Ritus de 1965 quis restaurar sem maior demora a liturgia da Palavra: esta é celebrada desde a cátedra do celebrante e do ambão: as leituras são realizadas pelo ministro competente; o gradual pode ser salmodiado por um cantor-leitor com resposta do povo (ver o Graduale simplex); (…); a oração universal 14 [ndr: conhecida no Brasil como “oração dos fiéis”+ vem por último coroar o conjunto do rito. O futuro Ordo Missae não terá nada a acrescentar a tal prescrição. No aguardo do novo lecionário, cuja preparação ordenou o Concílio (SC 51), os ritos estão já estabelecidos para uma digna celebração da palavra de Deus 15 ”. 16 Por último, Jounel conclui a sua introdução: “Herdeiro da liturgia de ontem, estabelecendo hoje elementos essenciais da liturgia de amanhã, o Ritus servandus de 1965 é um ritual de transição”. 17 Esta explicação do Padre Jounel não é marginal, bem pelo contrário. No mesmo ano, o Padre Elhinger publicou um livro intitulado: La Réforme liturgique. Décisions et directives d’application 18 no qual afirma claramente que o rito de 1965, por sua própria natureza, não constitui mais que uma etapa, e não uma adaptação do rito Romano tradicional destinada a perdurar:

“Trata-se de retoques circunstanciais, ou de um esforço coerente, integrado em um projeto mais amplo, sustentado por um espírito? 19 De antemão, estamos tratando sobre o caráter definitivo destas reformas. Elas são a primeira parte de um projeto de restauração mais amplo. O trabalho é parcial, mas não provisório. O Consilium não quis tocar em questões que ainda precisam ser amadurecidas, como o rito do Ofertório, da fração ou do envio da assembléia, porque as quer realizar definitivamente. (…) A Instrução Inter Oecumenici assegura a transição entre a liturgia anterior ao Concílio e a restauração mais profunda; não é uma adaptação de circunstância, mas uma etapa”. 20 “Ritual de transição”, “liturgia nova”, “etapa”, etc. Estas expressões empregadas pelos dois autores citados são claras e revelam o que realmente é o rito de 1965, e isso por um dos que contribuíram para a sua criação. Pois se trata aqui de pareceres autorizados e não de interpretações fantasiosas sobre o novo rito de 1965: recordamos que o Padre Jounel desempenhou um papel muito importante na redação deste rito, e, posteriormente, no rito de Paulo VI 21. As duas explicações concorrem em afirmar que o rito de 1965 é apenas uma etapa, uma transição, que não deve perdurar, entre o rito Romano tradicional e o rito de Paulo VI: a “liturgia da Palavra” estilo moderno já está instaurada, não restando senão fazer frente ao Ofertório e ao Cânon Romano: os mesmos princípios errôneos conduzem inevitavelmente às mesmas conclusões falsas. Exatamente os mesmos argumentos serão retomados para justificar o novo rito de Paulo VI: retorno às origens, adaptação pastoral, etc.
 
A exemplo de Jounel (“tem um outro espírito”) e Elhinger (“sustentado por um espírito”), Mons. Piero Marini, Mestre das Cerimônias do atual Soberano Pontífice [ndr: referência ao cerimoniário do então Papa João Paulo II, discípulo de Annibale Bugnini que hoje chefia oinexpressivo Comitê Pontifício para os Congressos Eucarísticos Internacionais], afirmava em 1995 na revista Ephemerides liturgicae n° 109, que o rito Romano tradicional e o rito de 1965 não tinham o mesmo espírito: “No que diz respeito ao espírito, não se encontra o Ritus servandus de 1570 no de 1965”. 22 Pode-se objetar que o espírito não é nada em relação ao texto. Basta, no entanto, constatar a diferença que há entre o Vaticano II e o “espírito do Vaticano II”: é em nome deste “espírito” que tudo foi abalado na Igreja já há trinta anos 23. Do mesmo modo, há o rito de 1965 em si mesmo e há o espírito que o sustenta. Constatamos, por outro lado, que os textos precedentes não podem senão invalidar a tese, largamente difundida em certos “reformadores da reforma”, segundo a qual o rito de 1965 é o fruto definitivo da constituição conciliar sobre a liturgia e que todo o mundo foi surpreendido pela promulgação do novo missal em 1970. Bastaria, com efeito, ler os livros de apresentação e explicação do rito de 1965 (como os citados acima), bem como as revistas eclesiásticas da época para se dar conta.
 
O Concilium trabalhava desde 1964 na reforma completa dos livros litúrgicos. Não ficou parado em 1965. De fato, a divulgação na imprensa da missa experimental do Padre Jounel (Cf. nota 14) atrasou qualquer outra reforma imediata da missa 24. Todavia, os membros do Concilium prosseguiram seus trabalhos de modo que no Sínodo Romano de 1967 fosse apresentada a “missa normativa” que, apesar de rejeitada por aquela assembléia, seria mantida e promulgada após algumas mudanças menores. Passemos, agora, às reformas implementadas no rito de 1965 25:

1) No Ordo da missa em geral:

a)Supressão do salmo Judica me no início da missa.
b)O último Evangelho é suprimido.
c)As orações recitadas ou cantadas pela schola ou pelo povo não são mais rezadas em particular pelo celebrante. 
d)Introdução da oração universal no início do ofertório.
e)Na missa solene, o subdiácono não segura a patena, que permanece sobre o altar. Não utiliza, por conseguinte, mais o véu umeral para levar o cálice da credência ao altar no início do ofertório. Não segurando mais a patena durante o Cânon, o subdiácono incensa a hóstia e o cálice durante a elevação, como nas missas de Requiem.
f) A incensação do clero é simplificada: todas as ordens, com exceção da ordem episcopal, são confundidas e incensadas em uma só vez para cada lado do presbitério.
g)O celebrante não é mais incensado pelo diácono após o Evangelho.
h) No Credo, não se ajoelha mais no “Et incarnatus est ... et homo factus est”.
i) Canta-se a secreta na missa cantada, e nas outras missas, reza-se em voz alta.
j) A doxologia no fim do Cânon é cantada ou rezada em voz alta, os sinais da cruz são suprimidos e, ao fim, o padre faz a genuflexão apenas após o Amem do povo.
l) O Pai Nosso pode ser recitado ou cantado pelo povo juntamente com o celebrante 26.
m) O Liberas nos após o Pater é rezado em voz alta.
n) Ao distribuir a Sagrada Comunhão, emprega-se a breve fórmula Corpus Christi. Em seguida, o celebrante dá a Comunhão sem fazer o Sinal da Cruz com a hóstia.
o) O Padre é autorizado a celebrar a missa cantada com a assistência exclusiva do diácono, sem o subdiácono.
p) É permitido aos bispos celebrar a missa cantada ao modo de simples padres.
q) O padre se persigna não mais que três vezes, pois as persignações seguintes foram suprimas: Adjutorium nostrum, Intróito, fim do Gloria, fim do Credo, Sanctus e Libera nos.
r) O celebrante, qualquer que seja a missa (cantada, solene, baixa), preside de sua sede a “liturgia da palavra”, como o faz o bispo quando celebra pontificalmente ao trono. Após a incensação do início da missa, ele retorna ao altar apenas no ofertório.
s)Os beijos litúrgicos foram suprimidos pela Instrução Inter Oecumenici.
t) Devido igualmente à Instrução Inter Oecumenici, a missa pode ser dita voltada para o povo 27.
u) O acólito não levanta mais a casula do celebrante nas duas elevações.
v) O acólito não toca mais a sineta no Sanctus e no Per Ipsum.
x) A Comunhão sob duas espécies foi introduzida, podendo os fiéis, doravante, comungar de pé 28.

CONTINUA...

FRATRES IN UNUM

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